Protagonismo no jogo e na ficção
Uma das maiores contraposições entre o RPG moderno e a proposta da OSR tem a ver com a ideia de protagonismo dos personagens dos jogadores.
Em uma aventura de D&D 5e, por exemplo, o Mestre é incentivado a conectar os personagens com o objetivo pré definido da aventura, construir uma história onde eles possam vencer e brilhar e trabalhar para que os rumos da história garantam protagonismo aos personagens, incentivando inclusive que o Mestre intervenha na história para que todos os jogadores possam protagonizar cenas importantes na aventura.
O RPG Old School, pelo contrário, defende que a história evolua de forma emergente, sem forte intervenção do Mestre, sem fornecer nenhuma garantia, exceto a de que o jogo será arbitrado de maneira justa e que as escolhas dos jogadores serão respeitadas.
Se os jogadores se tornarão heróis, vilões ou apenas mais um bando de aventureiros sujos em busca de tesouro não está pensado com antecedência, não está planejado, não é mais desejável. Pouco importa, para o Mestre, qual desses desfechos serão resultantes do jogo, desde que eles tenham surgido de forma emergente na mesa de jogo. Essa é a magia do RPG Old School.
Mas tenho refletido sobre a diferença entre ser o protagonista do jogo e da história.
O grande protagonista do jogo Old School são os jogadores. Eles estão ali para jogar e sua agência deve ser respeitada. Nenhuma manobra do Mestre, para o bem ou para o mal, deve minimizar o efeito das escolhas e decisões tomadas pelos jogadores. Se o jogador decide que seu personagem vai abrir a porta e ela possui uma armadilha mortal, o personagem deve morrer. Se os jogadores apostaram que podiam vencer em combate um encontro com goblins, que os dados digam quem será o lado vitorioso. Nada de marmelada! Nada de proteção!
A história em si não tem garantia de protagonismo ou de brilho. O jogo é jogado como prioridade; a história que será contada é consequência do jogo. Na hierarquia da mesa: primeiro vem o jogo, depois vem a história que será contada a partir dele.
Pensemos que o jogo Old School é mais parecido com um jogo da vida real. Quem é o protagonista de uma partida de War? Não faz sentido fazer essa pergunta de antemão. Pode ser que um dos jogadores brilhe na mesa e proporcione uma virada que será sempre lembrada pelos participantes. Mas ninguém se senta a mesa com a garantia de que isso irá ocorrer. Depois que o juiz apita, podemos contar histórias sobre o protagonismo do jogador de futebol que fez o gol no último minuto da partida, mas ninguém entra em campo sabendo que será o protagonista do jogo.
Esse caráter gamista (focado no jogo) é o motivo pelo qual os jogos Old School colocam o "respeito à agência dos jogadores" como uma vaca sagrada do estilo, diferenciando-o de todos os estilos que tem como centro a construção de uma boa história.
Excelente reflexão sobre o tema do Protagonismo na OSR Bernardo 👏👏👏
ResponderExcluirBoa! Muito bom que nosso pequeno debate na pastelaria tem gerado frutos a serem compartilhados com o restante da comunidade.
ResponderExcluirHehe... As conversas de tiozão tão rendendo frutos.
ExcluirEssa reflexão fez um complemento num raciocínio sobre este protagonismo que é amparado por este Mestre bem feitor que joga com a frustração das jogadoras fora da mesa tanto quanto, ou menos, por dentro da mesa. Não acho improvável que a palavra Mestre tenha mudado seu significado do Dungeon Master, que conhece a dungeon, que é o gatilho da ação, o desafiante. Para o Senhor, aquele que da o ponto final, o condutor do jogo, o interventor do enredo mal amarrado. Esse também chamo de jogador cineasta.
ResponderExcluirGostei do "cineasta". É bem por aí mesmo essa concepção de Mestre construtor de histórias
ExcluirBancando o "advogado do diabo"! E claro, não concordando com a proposição e esclarecendo cordialmente, deixo minha contraposição!
ResponderExcluirNesses dois trechos eu fico em dúvida em relação à argumentação quanto ao protagonismo:
Trecho 1 sobre o 5ED: "os rumos da história garantam protagonismo aos personagens, incentivando inclusive que o Mestre intervenha na história para que todos os jogadores possam protagonizar cenas" Trecho 2 sobre os OSR: "O grande protagonista do jogo Old School são os jogadores." Não fica claro então a diferença real, já que em 5ed várias aventuras são mortais e desafiadoras - Tomb of Horors, Dungeom of the Mad Mage, etc, e em várias aventuras OSR - falo do DCC e Swords and Wizardry por experiência - onde existem vária aventuras leves e divertidas com pouco risco real para os personagens, ou seja, trata-se de uma questão de condução da narrativa e não de estrutura mecânica definindo o estilo de jogo, ser mais ou menos mortal não define essa experiência, em Vampire V5 o jogo se tornou bem mais mortal para os personagens do que os antigo V20 ou 3ed e isso não redefine a experiência como "old ou new", outros fatores são levados em conta aqui como atualização do cenário, poderes, etc.
No fim, como centro da discussão, numa perspectiva ontológica (ontologia como conjunto de propriedades mais gerais do ser, apartada da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral) o protagonismo em ambos os casos é do jogador (sem esquecer que o mestre é um desses jogadores que parece sumir, desaparecer na experiência descrita como se fosse um tipo de "força por trás dos eventos neutra e justa", que sabemos que é uma falácia), são os personagens, que independente - na ação dos jogadores - da morte ou vida, continuam a ser o motor que movimenta a narrativa. A ideia de que esse protagonismo aparta ou separa as experiência de ambos os tipos de RPG citados só serve para fazer a manutenção de preconceitos e apartamentos que na comunidade OSR parecem determinar o tipo de relação que pauta o comportamento e a ideologia do grupo, sendo no mínimo desinteressante para o hobby (ao criar tribos com preconceitos e juízos de valor) e claramente ruim para construção de relações entre grupos que mais parecem tribos definidas por gosto do que parceiros de uma comunidade lúdica global, como deveria ser para o bem coletivo. Peço desculpas antecipadamente se meu comentário ofende qualquer leitora ou leitor, e claro, são minhas considerações particulares sobre as ideias compartilhadas não querendo estabelecer regras nem determinar a experiência de outrem! Tudo de bom!
Eu gosto da letalidade alta e acho que ela adiciona peso ao jogo e às decisões. Mas ela não é mandatória. O que eu acho que tira uma mesa definitivamente do conceito de OSR é a violação sistemática da agência em prol da história.
ExcluirEu não estou muito preocupado se antes se jogava assim ou nao. No Brasil, inclusive, tendo a achar que a resposta é Não! Devo ser da mesma geração que vc do Ad&d e minhas mesas eram repletas de "plot armor", railroad, etc. Ainda que no caso da letalidade, todas as minhas sempre foram muito letais
E essa letalidade acaba passando pelo filtro da agência do jogador, interagindo com as descriçôes do Mestre e investigado a ficção pta mitigar riscos.
ExcluirNa última sessão do South Borg que eu joguei meu personagem com 1PV acompanhou um veterano, e passamos por várias situações potencialmente perigosas. Cada uma delas foi mitigada de alguma forma através de aritudes simes e interação com descrições.
Então, para mim essa questão do protagonismo e estilo de jogo tem um pouco a ver com a comparação entre atitudes de jogadores acostumados a jogos modernos, que em geral tem.poderes para resolver muitas situações, e os jogos OSR que privilegiam o conhecimento do jogador e uma interação maior com a ficção para resolver as situações de jogo.
Muito bem colocado. Letalidade também depende do jogador.
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