Analisando: A Regra do Ouro (do livro Into the Wyrd and Wild)

The man contemplating the moon (Caspar David Friedrich)



Vocês sabem que estou elaborando um cenário (South Borg) que é de sobrevivência nos ermos, principalmente em florestas tropicais. Por isso tenho estudado com afinco o livro Into the Wyrd and Wild, de Charles Ferguson-Avery, em buscas de ideias, inspirações e também regras para sobrevivência em florestas. E decidi, como parte dessa busca, fazer uma série de comentários sobre as regras opcionais que o livro trás. Antes de começar, recomendo que todos adquiram e leiam o livro. Ele realmente é muito bom e trás um bestiário incrível, regras muito interessantes para encarar as matas fechadas e uma tonelada de coisas que vão incrementar seu jogo em um cenário como esses. Depois dessa observação, vou analisar a regra opcional proposta A Regra do Ouro (The Rule of Gold) e tecer alguns comentários sobre ela.

A apresentação da regra começa assim (em tradução livre):

"Dinheiro é uma construção do mundo civilizado. Moedas e metais preciosos são de pouca utilidade nos confins do território selvagem. Cobre não pode ser queimado para se esquentar, prata não pode ser usada para encontrar água, e ouro não pode substituir nem as mais escassas refeições. Quando o assunto é sobreviver, nada disso tem valor."

A apresentação da regra está exatamente no espírito de South Borg. No meu cenário, como ele tem um caráter pós-apocalítptico, sequer existe civilização suficiente para que existam uma economia baseada no dinheiro. Neste sentido, South Borg é um cenário de sobrevivência ainda mais extremo que o proposto em Into the Wyrd and Wild, visto que nem sempre os aventureiros terão um local seguro para retornar e, caso tenham, serão apenas assentamentos sem uma economia desenvolvida. A Regra do Ouro, portanto, não é apropriada para o meu cenário, mas vamos analisá-la mesmo assim pois pode ser útil para outros jogos e é sempre bom exercitar o intelecto.

A Regra de Ouro proposta no livro consiste em: 

  •  Aceitar a existência de uma categoria chamada Suprimentos (Supplies), uma medida abstrata que pode representar: ração para alimentar uma pessoa por um dia, água para saciar uma pessoa por um dia, ou lenha/óleo de lampião para iluminar por um dia.
  • 1 peço de ouro = 1 suprimento
  • Os personagens podem converter automaticamente suas peças de ouro em suprimentos a vontade durante o jogo - o Mestre pode ou não aceitar que isso seja feito somente quando estiverem na civilização.
  • O autor recomenda que quem queira ter uma experiência mais desafiadora coloque um limite no número de suprimentos que cada personagem pode carregar.
  • O autor reconhece que a regra proposta não é muito realista. Mas que ela trás agilidade e menor necessidade de registrar itens nas fichas.
O que eu achei da regra?

Independente do fato de que ela não é aplicável em South Borg, eu não gostei desta regra. Me parece que ela simplifica bem ali onde o jogo não deveria simplificar e pode arruinar a sensação de perigo oriunda dos riscos da escassez. Se a ideia de jogar Into the Wyrd and Wild é criar um jogo de sobrevivência, onde os personagens irão caçar, pescar, beber água das folhas e, quando falharem, passarem fome e sede, a regra simplifica demais as coisas e torna tudo muito fácil e simples. O centro da experiência passa a ser garantir que a abstração Suprimentos esteja sempre em alta e várias dos desafios de um jogo de sobrevivência nos ermos são perdidos. Afinal, um grupo de barriga cheia ainda pode morrer por hipotermia na madrugada fria se não tiver como se aquecer. Um grupo com bastante água pode passar fome por muitos dias ao não encontrar alimento na selva. E um grupo que carrega muito óleo de lampião se expõe a riscos quando enfrenta uma salamandra de fogo que um grupo com abstratos suprimentos não correria. Enfim, eu prefiro muito mais controlar minuciosamente cada um desses itens (ou mesmo usar os dados de uso de alguns sistemas) do que optar pela Regra do Ouro aqui proposta.

Em alguns cenários, onde o foco não é a sobrevivência, simplificações desse tipo podem ser interessantes. Mestres de jogos modernos ou narrativistas que querem apenas garantir que algum ouro está sendo gasto com questões de sobrevivência e onde o peso dos itens não são importantes podem encontrar aqui uma forma de simplificar essa questão. Mas eu mesmo não me vejo utilizando essa regra em nenhum dos meus jogos.

E vocês? O que acharam da Regra do Ouro? Usariam em sua campanha? Acham que combina com algum sistema?


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