Relato 21: A Mula Sem Cabeça
Este relato é parte da campanha aberta de South Borg
Relato de Arthur
Personagens: Moleque (Arthur), Leopoldo (Vitor), Felipão (Roberto)
Estou
acostumado com a chuva desde sempre, nasci e cresci com ela sempre
visitando. Mas nunca pensei que essa companhia regular fosse me
despertar tamanho terror. Foi minha primeira expedição de caça, mas
pelas condições de tempo e pelas circunstâncias que nos acometeram
durante a incursão, as chances eram de que também seria a minha última.
Nosso
grupo partiu da Vila com o propósito de ter uma caça sem grandes
riscos, ali pelo descampado. Embora a chuva estivesse em seu apogeu, não
tínhamos escolha senão tentar caçar qualquer bicho que aparecesse hoje,
os suprimentos (como sempre) estavam escassos.
Sem
sorte com os animais, rumamos para a grande floresta seguindo pela
estreita trilha da cruz. Foi quando uma movimentação de uma potencial
presa alertou nossos ouvidos. A chuva cessou...
Estávamos
escondidos no canto da trilha quando duas silhuetas se expôram, uma
mulher e uma criança em farrapos, ambos trazendo cestas com bambus nos
ombros. Era aterrador, nunca tinha visto aquelas pessoas e não fomos
informados de outra expedição no mesmo dia.
- Quem são vocês? - perguntou Leopoldo.
Sem respostas.
As
figuras cruzaram a trilha na direção de um homem na mata, o qual a
criança chamou de pai. Ele segurava analiticamente um objeto que mais
parecia um pássaro planando. Os bambus foram entregues a ele. Foi nessa
hora de calmaria que enxergamos o quão tênue eram aquelas silhuetas,
como se estivessem prestes a desaparecer. Eram fantasmas.
Da
mesma forma que apareceram para nós, também foi como sumiram. De
súbito, a chuva despencou sobre nós como se sempre estivesse ali. E acho
que estava.
O pouco que
me contaram é que o povo da Vila Esperança vieram de um outro local e
nossa busca é sair daqui, mas a última coisa que eu pensaria era de que
outras pessoas vieram antes. Ou talvez já estivessem aqui desde o
princípio? Intrigante...
Após
essa visão surreal, ao invés de seguir a trilha em direção às aranhas
invisíveis, decidimos seguir para o norte pela mata. Ficamos mais uma
hora sem qualquer notícia de animais para caça, até que paramos naquela
chuva infinita para tentar decifrar uma luz laranja que se movia ao
longe. Acender uma tocha nessa chuva era loucura, mesmo na penumbra de
um temporal. Ainda mais estranho era a forma que se movimentava, era
afoito e nada "humano".
Nos
aproximamos para entender melhor. Era uma grande mula cuja cabeça havia
sido substituída por uma labareda ofuscante. Era a lendária
mula-sem-cabeça!
Felipão
paralisou diante daquela visão, mas Leopoldo tinha um sorriso doentio no
rosto. Ele se aproximava enquanto falava manso com a criatura, quase
como se fossem conhecidos de outros tempos. Aquilo era loucura demais
pra um só dia, o cara estava querendo domar o bicho! Eu estava doido pra
meter o pé, mas a criatura parecia até que bem dócil, apesar de arisca.
Na verdade, foi ela quem meteu o pé pra dentro da mata (vai contar pros
outros que viu um Leopoldo, uma visão aterradora!)
Após
esse encontro, investimos para o nordeste até que avistamos uma árvore
maior com um pavão dormindo em um de seus vários galhos laterais. Foi o
momento perfeito para as flechas zunirem.
Durante
a luta, ouvimos a movimentação de várias asas na copa da grande árvore:
eram outros pavões. Nossa sorte foi a de que eles não eram tão
corajosos quanto materialmente eram fatais para nós. Após o abate,
pilhamos as entranhas do pássaro, foi uma bela de uma caça. Era hora de
ir pra casa.
No
descampado, como se já não tivéssemos visto coisas demais, fomos
"agraciados" com a presença de 5 urucanos (uma mistura de urubus e
tucanos, claro). Eles correram atrás de nós de olho na nossa caça, um
insulto pro trabalho que deu. Mas conseguimos escapar ilesos! Tudo isso
com um toró que não acabava nunca...
Esse
foi o meu primeiro relato de muitos outros. Sempre foi meu sonho fazer
parte do grupo de exploração, hoje foi a confirmação de que meu
treinamento não foi em vão. Queria que meu pai estivesse aqui pra ver
isso.
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