Analisando: Só o guerreiro é bom de briga

Uma das regras que mais me agradam no “retroclone”* Lamentations of the Flame Princess (Lotfp) é a ideia de que somente a classe Fighter (Guerreiro) evolui suas chances de acertar golpes em combate. Todas as outras classes possuem outros atrativos, mas não se tornam melhores combatentes (pelo menos não na chance de acertar) conforme progridem e passam de nível.


O guerreiro na capa do Player´s Handbook di AD&D 2a edição



A ideia é que um mago, ladrão ou clérigo não evoluem suas capacidades de combate pois estão focados em outras coisas. Eles ganham magias, habilidades e etc. Logo, essas classes manuseiam armas apenas no nível mais básico. Eles sabem lutar, mas não sabem lutar particularmente bem. No meu cenário South Borg estou adotando abordagem semelhante, e apenas aqueles que escolhem o “Caminho do Combatente” ganham bônus de classe para acertar em combate.


Essa abordagem é uma escolha de design e de estilo de aventuras. Não há nada de errado em adotar a forma original do D&D (e que vale até hoje nos sistemas modernos) em que todos ficam mais capazes em combate conforme evoluem de nível, com o guerreiro tendo a vantagem de uma progressão mais rápida. 


Mas quais são os efeitos de cada uma das abordagens na mesa de jogo? 


Primeiro, quando todas as classes evoluem sua base de ataque (ou THAC0) você pressupõe que todo aventureiro tende a ser um combatente excepcional. Um Mago de nível 7, por exemplo, será um lutador mais capaz que os guardas da cidade (de nível zero ou um) e, provavelmente, amassaria com as próprias mãos um encrenqueiro numa taverna. Não se surpreenda se os aventureiros (não-guerreiros) de nível alto se apresentem como combatentes muito superiores a aventureiros guerreiros de baixo nível. Já na abordagem de Lotfp um mago de nível alto será um lutador tão frágil quanto qualquer camponês. Se ele for preso e não possuir recursos mágicos, dificilmente baterá nos guardas e conseguirá escapar e um halfling com meia dúzia de níveis pode se complicar em uma briga na taverna. Eu diria que adotar essa visão de jogo diminui ainda mais o grau de heroísmo do cenário, aproximando os aventureiros de pessoas comuns quando não estão lidando com suas especialidades. E isso me agrada.


Algumas preocupações que o Mestre deve ter ao adotar essa regra


Adotar a abordagem “Só o guerreiro é bom de briga” exige do Mestre que se preocupe com algumas outras questões. Em primeiro lugar, é muito importante que não se adote a prática da “esteira” em relação às classes de armadura (ou dificuldade de acertar) dos monstros e inimigos. Se isso ocorrer, os oponentes começarão a ser muito difíceis de acertar e o combate se tornará um show de “erra-erra” para todos os não guerreiros. Na prática, jogadores espertos deixarão o combate completamente a cargo dos guerreiros e agirão de forma pouco criativa, já que as chances de suas ideias darem certo serão baixíssimas. 


Outra preocupação é entender os impactos dessa não progressão no sistema que você adotou (caso não seja um sistema que já funcione assim), por que improvisar essa regra em certos sistemas pode arruinar completamente a experiência de jogo de certas classes. O D&D 5e, por exemplo, não suporta bem esse tipo de alteração dramática e exigiria tantas alterações nas regras que seria mais fácil adotar outro sistema. Já outros retroclones do BX como OSE (Old School Essentials) ou Labirinth Lord não necessitam de muitas alterações e preocupações no uso dessa abordagem.


Resumindo os efeitos 


Na minha experiência, restringir somente aos guerreiros a progressão nas chances de acertar torna o jogo menos heróico, mais pé no chão e com combates mais “sujos”, além de tornar as aventuras dentro de cidades mais interessantes, verossímeis e perigosas (o grupo nunca é tão forte a ponto de surrar a guarda toda). Se o sistema de “classe de armadura” estiver bem ajustado, todos conseguirão brilhar em combate ou fazer ações criativas, mas o guerreiro o fará com mais facilidade.


Porém, se a campanha que você quer é mais heróica, mais parecida com filmes de ação. Se você quer os personagens dando surras nos guardas ou derrubando uma série de bandidos independente de classe que adotem. Se no seu cenário todos sabem que guardas não têm qualquer chance com aventureiros experientes. O ideal é a abordagem clássica de progressão generalizada (ainda que desigual) da base de ataque.


E vocês? Já jogaram sistemas em que a base de ataque das classes não marciais não progride? O que achou? 


* Lamentations of the Flame Princess normalmente é considerado um retroclone do D&D BX. Eu tenho minhas dúvidas em considerá-lo dessa maneira, visto que ele está em algum ponto entre o OD&D e o BX e introduz muitas regras originais. Independente disso, ele é plenamente compatível com materiais das edições clássicas.

 

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Comentários

  1. Fantásticas observações.
    Embora eu goste muito do LotFP ainda acho que o bônus do guerreiro pode ser alto e o um bônus de +5 no nível 9 poderia ser mais interessante.

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    Respostas
    1. Franciolli, realmente o bônus do guerreiro se torna muito significativo nos níveis altos. Mas eu acho um design interessante. Ele é um especialista que dificilmente erra um golpe (nos níveis altos) e é capaz de grandes feitos em combate.
      Cabe lembrar que em Lotfp o bônus de Força não influencia o dano. Então existe um limite de dano/rodada relativamente baixo mesmo com os acertos sendo frequentes. O guerreiro não vai virar um liquidificador de inimigos só por causa do dano.

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    2. O fato do bônus de Força não ser usado no dano faz muita diferença mesmo.

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  2. Muito legal o papo aqui! ♥

    Acho que de maneira geral o que vejo é que a experiência dos primeiros níveis é talvez a mais importante nesse quadro de avaliações. Um mago de nível altíssimo, mesmo tendo bônus na pancadaria vai lutar sem armadura, utilizando poucas armas a seu favor e tendo muuuitos usos de magias poderosas. Então até onde pude acompanhar eles vão descarregar seus poderes e depois é recorrer a saídas inteligentes. Se os guardas são mais fracos (essa é uma decisão importante - pq eles precisam necessariamente ser fracos?) eles também podem ser muitos, podem se conhecer a anos e ter estabelecido uma série de alinhamentos estratégicos para lidar com isso.

    Desse modo eu penso que a discussão toda do guerreiro é menos retirar dos outros a chance de evoluir e mais dar ao guerreiro um bom destaque. A saída do guerreiro tendo thac0 subindo todo nível é interessante e sutil. Eu gosto da ideia do guerreiro se destacando assombrosamente (em comparação com os outros) a partir de um certo nível. É muito importante um DM antes de tomar sua decisão ou seguir a decisão de algum retroclone pensar qual tipo de campanha ele quer. Qual o nível de desenvolvimento dos reinos, das vilas, vilarejos, das pessoas comuns. Tudo isso importa na hora de tomar certas decisões.

    E para dar um sabor especial o combat fu ajudando no erra-erra, permitindo interações mais substanciais e negociáveis. No final é chorar pelo guerreiro corajoso morto ou comemorar com covardes vivos (e vice-versa).

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