FKR e a alta confiança no Mestre

Um dos nichos menos badalados do RPG (pelo menos no Brasil) tenta reviver as experiências das primeiras mesas anteriores ao surgimento do D&D, em particular a campanha de Dave Arneson. O FKR (Free Kriegsspiel Revolution) remonta aquele momento inicial do nosso hobby, quando ele ainda era apenas uma forma diferente de jogar os badalados “wargames” da década de 70.

Mas não estamos aqui para analisar todos os detalhes do estilo FKR, mas apenas um deles: o papel do Mestre nesse tipo de jogo. Aqui, para fazer valer os outros princípios do estilo (principalmente o minimalismo ou ausência de regras e o lema “jogue mundos, não regras”), o FKR amplia dramaticamente o poder do Mestre sobre a ficção, dá total controle a ele na hora de arbitrar rolagens e resultados e  propõe aos jogadores uma relação de “alta confiança no Mestre”.

Mas afinal, que diabos é isso.


 



Jogos de alta confiança no Mestre


Relatos das mesas do mais criativo dos desenvolvedores do D&D, Dave Arneson, falam que o grande mestre tinha um jeito muito peculiar de mestrar. Raramente ele andava com um sistema de regras, consultava tabelas e, às vezes, seus jogadores em eventos sequer possuíam uma ficha dos seus personagens. O jogo se desenvolvia absolutamente de forma diegética, com os jogadores interagindo com o mundo e os desafios criados pelo Mestre, sem se preocupar com seu sistema de regras. Quando um dos jogadores fazia algo que Arneson julgava digno de uma rolagem de dados, ele simplesmente pedia ao jogador o que rolar e arbitrava quais eram suas chances. As regras, quando existiam, era domínio do Mestre. Na cabeça do velho mestre os jogadores sequer deveriam conhecê-las e se preocupar com elas.

Aqueles que estão tentando retomar esse tipo de jogabilidade (lembrando que todo tipo de “renascimento” sempre é uma releitura moderna, nunca é “jogar exatamente” como era jogado) chamam essa relação Mestre x Outros jogadores de um sistema de “alta confiança no Mestre”. Isso se dá exatamente devido ao controle e poder que é passado para esse jogador especial, que tem atribuições ainda mais distantes dos outros enquanto o jogo está rolando.
 

Nada a ver com “contar historinha”

É importante não confundir essa abordagem de “alta confiança no Mestre” com outro tipo de mestre superpoderoso. O FKR defende a ideia de um Mestre árbitro, que é “justo” e imparcial, e busca resultados semelhantes ao OSR no desenvolvimento da história emergente. O poder atribuído ao mestre não passa pela manipulação de dados, controle da história ou qualquer tipo de railroading. Mas ele pressupõe “confiar” no Mestre de que ele não fará nada disso. É ele que, na mesa, é o guardião da agência dos jogadores e da história emergente.

Os jogos OSR normalmente vão por outro caminho. As arbitragens do Mestre devem ser sempre amparadas claramente em um sistema de regras conhecidos por todos. A garantia da agência e da história emergente está em retirar quase todos os poderes do Mestre. Suas arbitragens podem variar, mas devem sempre passar pelo sistema de regras, absolutamente aferível por todos os jogadores. É um jogo de baixa ou nula confiança no mestre, com o desenvolvimento de seus preceitos passando por uma divisão quase absoluta do poder do Mestre com os jogadores. No Oil Fantasy, por exemplo, mesmo as arbitragens devem ser negociadas, os jogadores podem propor outros tipos de arbitragens e o Mestre perde inclusive o controle sobre o mundo nos momentos em que os desafios não estão colocados.

O que eu acho de tudo isso?

Eu tenho grande simpatia pelas duas abordagens e acredito que elas podem chegar a resultados similares. Em geral, quando estou mestrando, aceito negociar as arbitragens e gosto de me embasar em regras claras, simples, e conhecidas por todos. Mantenho, porém, sempre um pezinho no FKR, e reservo certos “poderes” exclusivamente para o Mestre, também recorro pouco a recursos de divisão da narrativa com os jogadores (ainda que eu goste, em certas situações).

Obviamente, jogos de alta confiança no Mestre estão mais sujeito a serem arruinados por “mestres babacas”, como idiotas com fantasias de poder. Mas a melhor forma de lidar com esse tipo de pessoa é evitando jogar com elas. Em breve pretendo fazer incursões mais profundas em jogos FKR para testar os limites do estilo.

Para saber mais sobre FKR recomendo o excelente artigo do blog Masmorreiros sobre o tema. Clique aqui.

Para assistir o documentário Secrets of Blackmoor (apenas em inglês, infelizmente) com a história da campanha de Dave Arneson. Clique aqui.

Para conhecer o estilo Oil Fantasy. Clique aqui.

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